Carta aberta ao Primeiro Ministro Durão Barroso

Sr. Primeiro Ministro 

Embora nunca o tenha tido em grande consideração pela sua pessoa, e  achar que não possui os requisitos mínimos para ocupar o cargo que  ocupa, tinha-o pelo menos como um democrata. E, quero continuar a pensar que realmente o é, embora talvez ,o seu “andar inchado” pela vitória, lhe tenha feito subir os níveis de arrogância ao ponto de se esquecer de quais são os  fundamentos e a ética da democracia.

Tem realmente, como afirmou um dos seus ministro, legitimidade eleitoral para governar este país e para alterar as leis da forma que considere mais correcta para o futuro de Portugal. Ou, se pensarmos melhor, tem e não tem. Tem-na, por o seu partido ter tido uma votação superior aos outros, mas certamente não a terá se se concluir que obteve essa votação mentindo em relação à forma como pretendia governar o país. E, parece começar a poder afirmar-se que assim é. Utilizando uma linguagem alarmista procura justificar o facto de, não só não estar a cumprir as promessas feitas durante a campanha eleitoral, como a fazer exactamente o contrário daquilo que apreguou.

Mas, mesmo considerando que essa legitimidade eleitoral ainda llhe pertence, isso em nada lhe permite agir de forma não democrática. Não se esqueça, que também Hitler teve legitimidade eleitoral, por ter ganho as eleições na Alemanha, e depois foi o que se sabe. Não se esqueça, que ao ser eleito, mais que direitos para fazer tudo aquilo que lhe der na bola, aquilo que ganhou foi um dever de governar de acordo e em respeito para com os poruguêses. Não se esqueça, que numa democracia, o ideal seria que fossem alcançados os mais largos consensos possíveis, entre todos os representantes eleitos,  relativamente às politícas e às opções a tomar. Não se esqueça que é o primeiro ministro de todos os portuguêses e não só daqueles 40% que votaram em si. Não se esqueça que, numa democracia,  existem instituições e mecanismos que foram criados exactamante para garantir a existência da democracia, e que acabar com eles, por considerar que são um obstáculo à sua politíca, é uma atitude no  mínimo perigosa. E, olhe que os portugueses já começam a notar.

Não lhe vou aqui dar conselhos sobre o melhor rumo que deve tomar já que, honestamente, não é o Sr. nem as ideias que defende aquilo que preconizo para o futuro de Portugal. Mas, como não sei quanto tempo vai andar por ai, espero que pouco, não posso deixar de lhe recomendar algumas alterações urgentes:

Páre, olhe e pense. Em primeiro lugar, páre e assuma na plenitude o cargo para que foi eleito, pegue nas rédeas do poder, acabando com a pouca vergonha que tem sido a actuação de alguns dos seus ministros. O Sr. tem sido, deste governo, a cara de mero espectador sem nada fazer para controlar aqueles que o rodeian. Depois, olhe. Olhe  para o que tem sido feito e para a forma como isso  se tem vindo a fazer. Olhe para o país e para os portugueses e pense de novo. Provavalmente vai notar que o seu governo, na ânsia de mostrar trabalho, tem cometido erros em demasia. Como diz o povo, “depressa e bem não há quem”. E os Senhores não são excepção como se tem visto. Pense. Antes de agir procure ter um período de reflexão, de ponderação. Decisões precipitadas, divulgações arrogantes, justificações populistas - e em muitos casos com graves atropelos à verdade -, ameaças inadmissíveis e depois execuções no mínimo deselegantes, são prática corrente no seu governo. Sei que os senhores querem mudar muita coisa e que têm muitos favores apagar, mas ao menos procurem fazê-lo de uma forma um pouco mais racional, ou se tal não lhes for de todo possível, pelo menos mais discreta. Tirem as palas dos olhos, escutem o que outros têm para dizer. Ninguém é perfeito nem tem o monopólio da razão, ninguém é senhor da verdade. Agir contra tudo e contra todos só é propício para a criação de agitação social e, se é verdade o que os senhores dizem, que este país se encontra à beira do precipício, agir desta forma é o famoso passo em frente.

Mas não quero acabar sem primeiro deixar aqui uma palavra de optimismo, e lhe dizer que você não é um completo inútil. Serve pelo menos de mau exemplo.

 

"Vem por aqui" - dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
                                                     José Régio

Atentamente 

João Manuel Pestana 

Lisboa 18 de Maio de 2002


Serviço Público.

Antes de se falar do futuro da RTP seria útil defenir claramente o que é que afinal é serviço público. Parece-me claro que serviço público, pode e deve ser visto como o serviço prestado aos cidadãos, pelo Estado. Ia acrescentar gratuito, mas não seria verdade já que o mesmo acaba por ser pago nos impostos. É serviço público a construção de uma estrada, de uma escola, ou a existência de passes sociais, de uma companhia de aviação de bandeira, de policías, de um exercito ou de um varredor municipal. Até o acto de governar é serviço público assim como também o é a divulgação de informação, cultura ou mesmo divertimento. Parece por isso claro que cabe ao Estado, receptor dos impostos, a prestação desse mesmo serviço, através da criação dos serviços que tenham utilidade para o público em geral. Cabe-lhe também a responsabilidade da sua correcta gestão sem no entanto poder por nenhuma forma restringir-lhe o seu ambito, ou exigindo um pagamento suplementar penalizando os cidadãos. Cabe por isso ao Estado, a existência de um serviço público de saúde, de segurança social e de educação e de forma nenhuma poderá aliená-lo.

È por isso lícito que o Estado possua, bancos, seguradoras, empresas, etc., e que as preveligie em relação ás privádas. O todo tem de valer mais que as partes e é mais importante beneficiar o Estado, que somos todos nós, do que empresas privadas cujo lucro é só de alguns. Só assim se compreende a possibilidade que existe de, por exemplo, expropriar um terreno, ou parcela dele, para o bem das populações. O Estado deve por isso poder apoiar, de todas as formas, as suas ferramentas de apoio ao público, indiferente à chamada concorrencia desleal. Isso não existe já que os pressupostos para que foram criadas, são totalmente diferentes. Aqui trata-se de serviço público que está muito acima de um qualquer interesse privado. Não deveriamos, por isso, aceitar a chantagem feita pela globalização de garantia de concorrência leal entre todos os operadores de uma determinada activaidade. Se os Estado Português pensa ser útil ter uma companhia Aérea de Bandeira deve poder apoia-la , se para garantir a existência de agricultura e de luta contra a desertificação do seu território, desejar subsidiar os agricultores deve fazê-lo, e se deseja que o serviço público de televisão seja visto por uma grande fatia da população deve poder financiar a sua televisão.

Temos, certamente o direito de decidir se, por exemplo, uma telenovéla ou um concurso deve ser considerada serviço público. Será que, por outros já oferecem esse serviço, o Estado, se pode descartar dessa responsabilidade? É sem duvida nenhuma defensável essa posição, assim como também o será a oposta. Se estamos numa democracia, e a maioria mostrar preferir esse tipo de programação a um teatro ou a um concerto de Jazz, provavelmente, deveremos cumprir o seu desejo. Claro que também os outros, as minorias, têm de ver salvaguardados os seus direitos, pelo que o teatro e o concerto também devem ter o seu espaço.

Haja por isso algum bom senso e tente-se encontrar um equilibrio entre custos e o universo de pessoas que se vão servir. Se calhar faz muito menos sentido gastar dinheiro a manter uma televisão para ser vista por cinco por cento da população do que gastar um pouco mais e servir também um público muito mais alargado. E, sobretudo porque uma das principais tarefas de um serviço público é a educação desse mesmo público. È nisso que ela pode e deve diferenciar-se das estações privadas.

É uma questão de se fazer uma discussão, em que prevaleça o bom senso, e não o interesse de alguns privados ou a teimosia de alguns políticos.

 


De(Leite) privado está o Pinto cheio
Não tarda nada privatiza-se o Governo, e a Assembleia da Républica passa a Assembleia de Acçionistas.


Só há  liberdade a sério  quando houver,
 a paz, o pão, educação, saúde habitação

                       Sérgio Godinho

Óh Sr. Pinto Leite, afinal parece que vou ter de discordar de novo de si. Não se preocupe que desta vez não vou dissecar o seu artigo à procura de “más intenções”, pois assim teria, uma vez mais, de transcrevê-lo quase na íntegra. Já bastou há 15 dias quando escreveu aquele brilhante artigo sobre os funcionários públicos (kaosinthegarden.tripod.com). Para não ter de estar a mostrar o meu asco,  por aquilo que diz, sempre que leio algo saído da sua mente neo-liberalista é preferível falar antes das ideias e daquilo que penso delas.

A campanha para denegrir tudo quanto é gerido pelo Estado e em defesa dos privados,  tem sido bem engendrada, a situação política de alarmismo criada e a falta de liderança do Primeiro Ministro bem aproveitada. Podem até ser ditas muitas asneiras e defendidos muitos disparates, pois o que parece importante é lançar a isca. Basta ver o artigo do Sr. Belmiro de Azevedo, na semana passada, a falar da privatização da Saúde ou qualquer um dos seus artigos. E, afinal, o que está aqui em causa é algo de muito simples e que nada tem a ver com o funcionamento das instituições ou com o serviço que elas prestam nem com uma preocupação com o dinheiro que pagamos com os nossos impostos. Se virmos bem quem defende estas teorias nem sequer utiliza esses serviços e em muitos casos nem paga os impostos. É a vontade pura e simples, dos privados, de deitar a mão ao dinheiro que nós pagamos ao Estado via impostos. Tão simples e claro como isso. Por exemplo, no seu artigo quem continua a pagar a educação é o Estado, mas quem no fim fica com os lucros são os privados. Nem sequer vou aqui querer discutir se, assim, teríamos melhores escolas e uma melhor educação, sem termos de ir, uma vez mais, aos nossos ordenados para complementar os custos. O mesmo se pode dizer das ideias para a segurança social ou qualquer outras que por ai venham a surgir.

Cabe ao Estado a prestação destes serviços por via dos impostos que pagamos. São aproximadamente 40% do vencimento mais os impostos  indirectos, IVA, imposto autárquico, imposto automóvel, imposto sobre o tabaco, portagens, etc.. Esse dinheiro é de todos nós e deve garantir o direito à educação, à saúde e a uma vida condigna. Se o dinheiro recebido é pouco para as despesas, provavelmante tem a ver com más gestões (passe a gerir-se bem), mas também com a fuga aos impostos de muito boa gente. O mais desconcertante de tudo isto é que são principalmente esse, aqueles que mais defendem a privatização dos serviços públicos em nome dos impostos que nós pagamos.

Realmente deve ser muito difícil,  para alguns, suster a inveja, de ver tanto dinheiro a ser entregue ao Estado. Até deve doer tanta votade de lhe deitar a mão. Até consigo imaginar a sociedade com que sonham:

Não existe lei do trabalho e também não são feitos qualquer desconto nos ordenados dos trabalhadores. Vai limpinho para a mão dos trabalhadores, pelo que assim se pode reduzir um pouco mais aquilo que se lhes paga. Claro que como não há impostos sobre o trabalho, a escola do miúdo é privada, a saúde garantida pelo pagamento de um seguro e a reforma assegurada pela conta poupança. As receitas do Estado são garantidas pelos impostos indirectos (Iva, etc.), serão suficientes para pagar os ordenados dos políticos, que nessa altura serão quase a totalidade dos funcionários públicos existentes, e de forças de segurança reforçadas para evitar perturbações à ordem pública (Ex:greves, manifestações). A alegria do povinho, é assegurada por estações de televisão privadas, que lutarão por percentagens de audiências com telenovelas, concursos, big brothers, masterplans etc.

Acordem. Uma coisa lhes posso garantir. Vai-se fazer tanto barulho, tanta algazarra. que lhes vamos tirar o sono. Nem sonhem com isso. 

O Vosso tanque General, é um carro forte
Derruba uma floresta esmaga cem Homens,
Mas tem um defeito
- Precisa de um motorista
O vosso bombardeiro, general
É poderoso:
Voa mais depressa que a tempestade
E transporta mais carga que um elefante
Mas tem um defeito
- Precisa de um piloto.
O homem, meu general, é muito útil:
Sabe voar, e sabe matar
Mas tem um defeito-
Sabe pensar

               Bertold Brecht